24 julho 2018

Portal Serra da Mantiqueira homenageia o saudoso João Batista Cândido com a matéria publicada em dezembro de 2010 em homenagem às Bodas de Ouro com a esposa Albertina em janeiro de 2011

Portal Serra da Mantiqueira homenageia o saudoso João Batista Cândido com a matéria publicada em dezembro de 2010 em homenagem às Bodas de Ouro com a esposa Albertina em janeiro de 2011

Portal Serra da Mantiqueira homenageia João Batista Cândido com a história da vida dele com a esposa Albertina contada em dezembro de 2010
“Sou feliz. Sou feliz por estar vivo depois de tudo que passei. Poder ver a família reunida em casa, meus filhos e netos. Eles vêm, tocam violão e cantam, são minha alegria. Tenho orgulho da vida. Tenho orgulho de tudo que fiz”, João Batista Cândido.
Nossos sentimentos à família e amigos de João Batista Cândido, que faleceu no último sábado, dia 21 de julho de 2018. Para homenageá-lo, o Portal Serra da Mantiqueira traz a matéria publicada em dezembro de 2010 no Jornal Serra da Mantiqueira, quando Cândido e a esposa Albertina estavam se preparando para comemorarem as Bodas de Ouro, em janeiro de 2011.
Na entrevista para contar a história dos 50 anos de casados, Cândido e Albertina relatam suas experiências da vida com a busca incessante por melhores condições de trabalho e qualidade de vida.
A história de 50 anos de lutas e alegrias de Cândido e Albertina 
João Batista Cândido, 78 anos, e Albertina Paulo Cândido, 72 anos, farão Bodas de Ouro no dia 25 de janeiro de 2011. Cinquenta anos se passaram e as lembranças de um passado de luta por melhores condições de vida são inesquecíveis. “Hoje ando me esquecendo do que aconteceu ontem, mas do passado não me esqueço de nada. O médico disse que isso é normal na minha idade, não é?”, disse Cândido.
Cândido nasceu em Serrania, MG, e teve 16 irmãos. Ainda muito jovem foi morar com o tio na Lapa, SP. Albertina nasceu em São Paulo, num bairro que hoje possui o metro quadrado mais caro da cidade, Vila Nova Conceição. Mas na década de 50 não era tão nobre, assim.
O casal se conheceu na JOC (Juventude Operária Católica), grupo de operários que se reuniam semanalmente lá em São Paulo para falar da escola, da família, do trabalho, da vida social e política. Lá os jovens aprendiam a lutar pelos seus direitos de cidadão, a conhecer os problemas trabalhistas, onde “operários não podiam ser escravos, máquinas, mas sim, filhos de Deus”. Aprendiam que pobres e ricos, trabalhadores e empresários eram iguais perante Deus. E na época a industrialização e o capitalismo tomavam o poder e exploravam os trabalhadores.
Em 1960, Cândido foi trabalhar na Cobrasma de Osasco, uma empresa que fabricava vagões de trem. Em 1961, ele e Albertina se casaram e foram morar numa casa muito simples, em Osasco, dois cômodos, e que chovia dentro. Tudo muito difícil e na fábrica as coisas também não andavam nada bem. O trabalho era perigoso, “a gente mexia com fundição de aço que chegava aos 900 graus de temperatura”. Trabalhavam em condições de insalubridade, sem segurança, sem roupa adequada, sem refeitório, levavam comida de casa. A Cobrasma tinha 4 mil funcionários e funcionava em três turnos. “A fábrica não parava. Da nossa casa, a três quilômetros eu ouvia o barulho da fábrica, as marteladas, o apito”, lembrou Albertina.
E lá aconteciam muitos acidentes: leves, graves e até mortes havia. Os mais jovens não tinham nenhuma experiência, não sabiam o trabalho e sofriam. Então, os operários começaram a se organizar aos poucos para ver o que poderiam fazer para mudar. Um dia, um rapaz de 18 anos sofreu um acidente terrível e morreu dentro da fábrica. Invés de alguns serem liberados para ir ao enterro resolveram combinar com o chefe 1 minuto de silêncio. Cândido falou com o chefe dele e o chefe concordou. Pensaram numa estratégia para parar a fábrica inteira. Tocar o apito geral. Cândido foi falar com o chefe e o chefe pensou que era apito da seção e não o geral, e aceitou. Combinaram às 10h da manhã. Quando chegou a hora, o apito tocou e aos poucos, os funcionários paravam. Passou-se o minuto mas ainda havia barulho, então decidiram permanecer até que a fábrica ficasse em silêncio total. “Imagine o que significava. Aquela fábrica que nunca parava, parou”.
Assim aconteceu para o desespero dos chefes que queriam saber porque tudo estava parado. Passaram-se 5 minutos ou 6. E voltaram ao trabalho. A partir dali ganharam força imensa para ir em frente com as reivindicações. Estavam prontos para formar a Primeira Comissão de Fábrica do Brasil em 1962. Nesta época expandia a emancipação política da cidade. E foi fundada a subsede da Frente Nacional do Trabalho em Osasco. Eles lutavam pela autorização do sindicato dos metalúrgicos de SP para instalar uma sede da categoria em Osasco. Eleições foram feitas e formou-se a diretoria em 1963.
Em 1964 instala-se no país um regime de ditadura violenta e insensível aos anseios populares. Com o golpe militar afastou João Goulart da presidência, assumindo o poder o Marechal Castelo Branco. Houve intervenção no sindicato. Foram caçados. A partir daí aos poucos formaram uma comissão cujos membros iam à diretoria da empresa negociar, falar dos problemas comuns de todos. As organizações operárias que surgiam na época eram todas reprimidas pelo governo e empresários, mas a Comissão de Fábrica da Cobrasma tendo à frente João Cândido e Albertino de Souza Oliva (advogado) permaneceu. Em 1967 um grupo de jovens operários estudantes conquistaram a presidência da Comissão de Fábrica, e João Cândido atuou como Secretário Geral.
Em 1968 fizeram greve de 3 dias, onde ninguém entrava ou saía da fábrica para pressionar o governo federal por ajuste salarial. Mas na verdade era para desmoralizar o regime, afinal o direito de greve estava na constituição de 1946.
O governo militar então tomou a fábrica. A polícia entrou e levou Cândido e mais 4 operários. Enquanto isso, Albertina estava em casa com os 5 filhos do casal. E este momento da vida deles é lembrado com muito carinho, pois jamais se esquecerão da solidariedade dos companheiros. “Muitos foram passar a noite comigo e com as crianças, imagine, numa casa pequena, de 2 cômodos, mas foi inesquecível a força que deram pra gente”, contou Albertina.
Cândido ficou 4 noites e 3 dias preso no porão de um casarão isolado em Higienópolis, sem luz, sem comunicação. Sofreu tortura psicológica e teve muito medo. “O militar perguntava: o senhor é comunista? Eu respondia que não. Então ele afirmava. O senhor é comunista! O senhor conhece fulano? Eu dizia: Não senhor. Não conhece? Eu respondia calmamente assim: como vou saber? Essa pessoa pode ter tido outro nome. Se o senhor tiver foto dele eu posso responder se conheço – Ainda bem que não tinham a foto. Mas um de nós sofreu violência física, apanhou no pau de arara o Zequinha”, contou Cândido. Ele disse que viu muito sofrimento dos companheiros, perdeu vários deles, outros sumiram e até hoje não se sabe o que aconteceu. Muitas e muitas histórias na memória desta época.
“Então eu disse para o militar: daqui pra frente tenho 5 filhos pra criar, o que acontecer comigo é responsabilidade de vocês, vocês serão responsáveis pela minha família”. Depois dessas palavras, Cândido conseguiu a liberdade. “Eu acho que ele foi solto porque ele estava calmo para falar com os militares e eles viram que era um pai de família que estava ali”. Cândido decidiu ir para São José dos Campos procurar emprego. Em novembro daquele ano (1968) conseguiu na GM e depois de um mês foi buscar a família. Três dias depois foi mandado embora. A GM descobriu que ele fez parte do movimento e que até preso ele foi em São Paulo.
A família passou dificuldades, porém, mais uma vez, contaram com a solidariedade dos companheiros de luta que pagaram o aluguel e colocaram comida na mesa. Cândido conseguiu emprego na FIEL, as coisas foram se estabilizando, lá ficou 2 anos, depois trabalhou na TECNOLON e depois na RODHIA, na época RODOSÁ. E em todas as empresas a mesma história ele via se repetir: falta de boas condições de trabalho e falta de segurança. “Tínhamos uma função e daqui a pouco éramos obrigados a fazer muitas outras funções, não tínhamos mais única profissão”, os empregados ficavam doentes e nada era feito. E como já tinha no sangue toda a história que viveu em São Paulo não baixava a cabeça para as coisas erradas que via, e, ao cobrar, era mandado embora.
Aos 45 anos de idade sem emprego, decidiu trabalhar por conta própria com a sua profissão de Encanador Hidráulico. Não dava mais certo dentro da empresa. Cândido ficou 15 anos trabalhando como autônomo e na época se filiou ao PT (Partido dos Trabalhadores), que surgiu em 1980. Cândido passou a ser presidente do Diretório do PT na região. E quando Ângela Guadagnin venceu as eleições em São José dos Campos chamou Cândido para administrar o Distrito de São Francisco Xavier em seu governo, de 1993 a 1996.
Uma nova história de vida começou para o casal. Conheceram o Distrito e se apaixonaram. Fim da administração, Cândido e Albertina decidem viver ali para sempre. Albertina se engajou no Grupo de Mulheres que se reúnem semanalmente para confeccionar artesanatos e falar da vida, da família, dos problemas, das soluções, das tristezas e das alegrias.
A casa espaçosa do casal, no momento, se encontra em reforma para receber a família no Natal. Ao todo tiveram 6 filhos, 10 netos e está chegando mais um neto, só que ele já tem 10 anos de idade, adoção de um dos filhos.
“Sou feliz. Sou feliz por estar vivo depois de tudo que passei. Poder ver a família reunida em casa, meus filhos e netos. Eles vêm, tocam violão e cantam, são minha alegria. Tenho orgulho da vida. Tenho orgulho de tudo que fiz. Orgulho de ter mentido para os militares naquela prisão, em defesa dos meus companheiros”, finaliza Cândido.

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