Nossa história

Síntese da História e da Práxis da Comunidade José Cardjin


Compromisso, Espiritualidade, Solidariedade, Luta ao lado dos.
Oprimidos e Lazer Ecológico Comunitário.

A Comunidade José Cardijn surgiu em 1980 e seus membros reúnem-se pelo menos a cada dois meses em diferentes lugares, mas o principal lugar de encontro é em Ubatuba – Litoral Norte do Estado de São Paulo, exatamente no bairro do Sertão da Quina, uma pequena ex-aldeia de caiçaras, situada a três quilômetros da praia de Maranduba entre cachoeiras, rios, lagos e uma boa reserva de floresta do Parque Estadual da Serra do Mar.
O Sertão da Quina é mais do que um belo lugar para o descanso e o lazer. Ele foi à verdade o lugar de inspiração e criação por parte de um grupo de católicos progressistas militantes da JOC que, nos anos 80, ainda encontrava-se no cenário da luta contra a ditadura militar. Alguns dentre estes foram vítimas da perseguição e tentativas de banimento. Estes militantes descobriram que não só a luta política se fazia necessária, pois a comunidade pobre e unida do Sertão da Quina também ensinou a estes militantes que a construção de um mundo melhor também passava por gestos cotidianos simples como a espera e a luta pela posse da terra, a construção dos recursos básicos como Centro Comunitário, Posto de Saúde e a Igreja. Para tanto, entre outros esforços os moradores criaram o “Bar do Povo”, onde as pessoas serviam-se pagavam e faziam o troco sem a presença de um proprietário ou empregado.
Os ex-jocistas, em seus encontros e reuniões, além de sua militância, nutriram o sonho e a esperança de respeitosamente tomar parte da vida do povo do Sertão da Quina apoiando-o em seu sofrimentos e lutas, como também em suas vitórias, fracassos e desvios enquanto que, de maneira mais próxima, tentariam viver uma experiência comunitária-socialista celebrando e partilhando as iguarias, os mutirões, o lazer, a espiritualidade das lutas, da reflexão, da oração, do consolo, das análises e das tomadas até de posicionamentos políticos de maneira que a cada membro era reservado o direito à diferença.
A culminância deste desejo deu-se com a aquisição de um terreno e com a construção de uma casa no Sertão da Quina.
Os membros da já então Comunidade José Cardijn resolveram abrir mão dos direitos de propriedade para doar suas cotas à própria Comunidade que fora criada sem fins lucrativos; portanto, algo de inusitado em termos de registro em cartórios, pois a Legislação Brasileira garante o direito à propriedade e as cotas são de direito dos filhos e descendentes dos proprietários.
Apesar das dificuldades cartoriais, hoje, o verdadeiro dono e herdeiro é a entidade José Cardijn.
Nestes anos de existência, não obstante dificuldades e desajustes, a comunidade José Cardijn mantém vivo seu ideal através de um “caldo de encontros” que basicamente consiste na presença de ex-militantes oriundos do setor progressista da Igreja Católica, das Pastorais Sociais – sob orientação da Teologia da Libertação, da ACO – Ação Católica Operária, além de outros membros de outras orientações religiosas que depois de acompanharem a vida da Comunidade, tornaram-se seus membros ativos.
A Comunidade José Cardijn também tem a busca do ecumenismo como orientação e inspiração.
A maioria de seus membros encontra-se engajados em vários movimentos de transformação social como sindicatos e associações.
A Comunidade compõe-se basicamente de metalúrgicos, petroleiros, professores, trabalhadores da área da pesquisa, estudantes, aposentados e muitas crianças (filhos dos militantes que, espera-se levem à frente o sonho).
Os encontros, o lazer, a convivência entre seus membros, o povo do Sertão da Quina e o contato com a natureza são o ponto alto desta Comunidade, bem como o empréstimo da casa durante o ano àqueles grupos que de maneira geral afinam-se com a proposta da Comunidade ou que de alguma maneira atuam como “fermento na massa” para transformação da realidade.
Pela Comunidade José Cardijn já passaram: cooperados da cooperativa de catadores de papel e papelão de São Paulo, grupo de mulheres de São Francisco Xavier, Pastoral do Menor, JOC de Campinas, movimentos sociais de Osasco, Petroleiros da São José dos Campos, CEDECA – Centro de Defesa da Criança e Adolescente -, Pastoral da Juventude da Diocese de São José dos Campos, grupo Anjos da Rua da periferia de São José dos Campos, acampamento Conquista de Tremembé do MST (em quatro ocasiões) e outros grupos mais.
A geração jocista dos anos 40 até os 70 encontrou-se com a geração de militantes dos anos 80 (de orientação da teologia da libertação), ou seja, grupos eminentementes leigos e engajados que puderam desfrutar das mudanças da Igreja Católica na segunda metade do século passado. Sem dúvida, o método “ver, julgar e agir” da melhor herança jocista significou a formação pela ação destes militantes da Comunidade. Nessa perspectiva as contribuições teóricas dos pensadores católicos dos anos 40 para cá como Teilhard Chardin, Gabriel Marcel, Jacque de Maritein, Alceu Amoroso Lima, o padre e depois cardeal José Cardijn, Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Alfredo Bosi, Frei Beto e Enrique Dussel de uma forma ou de outra inspiram, por seus fundamentos, a forma do pensar desta Comunidade.
A história do engajamento e do compromisso levada quase ao martírio foi experimentada pelos primeiros jocistas de nossa Comunidade. João Batista Cândido, Albertina de Paula Cândido, Joaquim e Sônia Miranda, Jorge Cândido, Amaro Vieira e Inês, Tereza Nagy e Peter Nagy durante os anos de chumbo experimentaram o amargo da perseguição da prisão, quando no imaginário nacional e militar toda forma de luta era proibida e abominável. Um exemplo real foi à greve da COBRASMA em Osasco no ano de 1968 liderado por João Cândido e Joaquim Miranda, bem como a prisão de Amaro pelos agentes do DOI-COD; em 1995 a luta contra privatização da Petrobrás foi liderada Jorge Cândido na Refinaria Henrique Lajes no V. do Paraíba, no mesmo ano Ubiratan Neves Fazendeiro junto de outros 19 trabalhadores fundam o Sindicato do Correios e iniciam a luta por melhores condições de trabalho e remuneração justa, . Entre nós há ainda outros militantes do movimento social e sindical que se qualificam pela forma como intervêm em seus engajamentos; entre estes os professores Ubiratan,  Nivaldo, Nilza, Ana Cândido, Adilson e o jornalista Luiz Cândido. Estes nomes estiveram engajados na luta pelos Direitos Humanos e pelos direitos das crianças e dos adolescentes.
Em 1991, o professor Nivaldo coordenou o Centro de Defesa dos Direitos Humanos que desbaratou pelo menos duas fazendas de regime de escravidão no Vale do Paraíba. Ana e Luís Cândido participaram ativamente da construção dos Conselhos de Direitos e Tutelar para crianças e adolescentes em São José dos Campos.
Enfim, os exemplos citados acima foram necessários porque indicam a conformidade e o significado do que seja formar na ação, embora entre os membros da Comunidade existam inúmeros exemplos de dedicação e luta.
Como pontos altos da vida da Comunidade ressaltem-se:
- Mutirões de construção da casa que hoje pode abrigar até 32pessoas
- Mutirões ecológicos e gincanas com o povo e as crianças do Sertão da Quina Participação efetiva na construção e levantamento de fundos e verbas (entidades alemãs) para construção da Igreja do Sertão da Quina.
- Participação em assembleias do bairro para tomada de decisão como, por exemplo, a questão da água.
- Programa de excursão, passeios e atividades junto aos assentados do acampamento Conquista: crianças jovens e mulheres foram divididas em três grupos em datas diferentes para atividades coordenadas pela professora de natação Ana Cândido com participação de outros membros da Comunidade; no ano de 1996 mais de 120 amigos do MST do acampamento Conquista passaram pela casa do Sertão da Quina.
A existência da Comunidade José Cardijn – nome esse dedicado ao padre que com leigos iniciou a JOC depois de ter ocorrido lembrança de vários outros merecidos mártires – na perspectiva em que esta comunidade se encontra e com os compromissos e práxis que ela tem assumido quer ela ser um humilde neste “mundo a construir”. Estar sob a força da ditadura militar ou estar sob a força da ditadura econômica como hoje, obriga-nos a experimentar praticamente o mesmo fel de desesperança.
A diferença é que na primeira o inimigo era facilmente visualizado, ele tinha quepe, farda e patente; o segundo pode ser pior, porque se trata de um inimigo invisível de caráter múltiplo e se mostra na ideologia pseudamente igualitária do consumismo.
Quando os primeiros jocistas chegaram a casa de Emaús – casa de retiro ainda existente no Sertão da Quina – nela não se trancafiaram como se quisessem fugir do mundo. Havia naquele período do início dos anos 80 o ar da anistia e os primeiros passos para o movimento nacional das “diretas já”, havia muito que fazer embora estes militantes acumulassem frustrações, mágoas e desencantos pelo o que a ditadura promovera, mas de lá de cima da casa de retiro conseguiram olhar para baixo e aí viram e ouviram a voz do povo do Sertão da Quina. Ouviram também a voz da natureza que desabrochava luxuriante, viram e sentiram o vaivém das águas de Maranduba, ouviram as árvores, os pássaros e o cantarolar das águas dos rios e cachoeiras do sertão da Quina; ou seja, ouviram o povo e a natureza, logo então ouviram a vida e concluíram: “companheiros, a luta não passa só pelas manifestações em praças e nem pelas mudanças nos palácios e tribunais… mas também, pela capacidade de ver, ouvir e sentir a vida em todas as suas formas de manifestação”.
Portanto, lazer e luta são palavras e ações que rimam por outro tom e outro ritmo, mas, ambas servem a vida, aos sonhos e a coerência. A luta e o lúdico caminham juntos ainda que onde caiba um possivelmente não caiba o outro, mas ambos são como sol e lua, dia e noite, que nos encobrem, nos aquecem na caminhada para um mundo melhor.
Os militantes desta Comunidade nunca abriram mão de seu papel de sujeitos participativos da história, hoje alguns de seus membros fundadores não estão entre nós, Malvina, Tereza e Peter Nagy já estão no andar de cima, Taurino, Santina, Joaquim e Sônia Miranda afastaram-se da Comunidade, mas não esquecemos jamais de seu valor e de suas contribuições em todos os sentidos; através desta síntese para a apresentação de uma oficina no Fórum Social Mundial gostaríamos de encorajar a todas as pessoas que partilham da mesma esperança e dos mesmos desejos da nossa comunidade para que possam construir experiências do mesmo caráter ou até melhores e diferentes da que apresentamos.
Durante toda essa caminhada a Comunidade José Cardijn contou com a presença sábia e orientadora do irmão padre Alberto Abib Andery que em muitos momentos de percalço nos encorajou e fortaleceu-nos, a ele dedicamos esta síntese que ora apresentamos ao comitê do Fórum Social Mundial em Porto Alegre.