01 novembro 2011

José Comblin e Paulo Freire

01.11.11 – Brasil: José Comblin e Paulo Freire
Eduardo Hoornaert
Adital

À medida que o tempo avança com rapidez, é urgente recuperar a memória de figuras que, nos últimos cinquenta anos, renovaram de maneira significativa o pensamento no Brasil. Muitas dessas personalidades já são pouco conhecidas pela juventude atual, o que é uma grande pena. Como já alertava Bertolt Brecht, “quem não conhece sua história está condenado a repeti-la”.

Neste texto, destaco duas figuras que atuaram em áreas aparentemente muito distintas: José Comblin, teólogo, e Paulo Freire, educador. Para quem observa mais atentamente, percebe-se que a distância entre eles é apenas aparente. Na verdade, ambos são eminentes educadores, e sua contribuição para a educação brasileira é profunda e interligada.

Embora seja comum afirmar que a educação é o maior desafio do Brasil, poucas pessoas definem o que realmente entendem por educação. E, embora todos reconheçam que a educação escolar não atende aos desafios da realidade contemporânea, poucos apresentam propostas claras para reverter essa situação. É nesse ponto que Paulo Freire se destaca, ao propor, de maneira inequívoca, que a educação deve partir de “temas geradores”. Para Freire, as situações cotidianas — as realidades vividas pelas pessoas — devem ser o ponto de partida para a reflexão e, consequentemente, para o aprendizado. Quem vive numa casa de taipa, por exemplo, reflete sobre o que isso significa na sociedade em que vive, assim como alguém que cresceu em um apartamento de luxo. A casa (seja ela simples ou luxuosa), a rua, o bairro, o trabalho, o corpo, o sexo, a festa, entre outros, são temas geradores de educação. A partir da realidade, surge a reflexão, que, por sua vez, inspira a ação transformadora.

Essa proposta de Freire se alinha com o método de José Cardijn, sacerdote belga e fundador da Juventude Operária Católica (JOC), que, nos anos 1940, propôs um modelo de formação baseado no lema “ver, julgar, agir”. Embora Cardijn não utilize o termo "temas geradores", a essência de seu método é muito semelhante à proposta de Freire.

Quando José Comblin chega ao Brasil, em 1958, ele já está profundamente influenciado pela metodologia de Cardijn. Inicialmente, seu trabalho está voltado à JOC, mas, ao longo de sua trajetória, ele se envolve com a formação de seminaristas no Instituto de Teologia de Recife (ITER). Em 1969, após uma série de desafios, Comblin consegue reunir nove seminaristas dispostos a repensar sua vocação sacerdotal à luz da realidade do povo rural nordestino. Dessa experiência nasce a chamada “teologia da enxada”, que, de maneira significativa, articula-se diretamente com os "temas geradores" de Paulo Freire: a casa, a comunidade, a terra, o trabalho, a refeição, o corpo, a festa.

Acredito que a contribuição pedagógica de José Comblin supera sua atuação como teólogo ou conselheiro de bispos. Sua "teologia da enxada" é, na verdade, um método pedagógico que vai muito além da formação de seminaristas. Hoje, esse método se aplica também à formação de agentes de pastoral em seis escolas missionárias, espalhadas por cinco estados do Nordeste: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí. Essa experiência pedagógica é altamente relevante e merece maior divulgação, especialmente entre os responsáveis pela educação no país. Muitos desses responsáveis — até mesmo os de orientação progressista — parecem não perceber a importância desse método na educação. Em vez disso, acreditam que basta aumentar o orçamento das instituições educacionais existentes. Seria importante que se aprofundassem em metodologias como as de José Cardijn, Paulo Freire e José Comblin — e, quem sabe, também de Ivan Illich, embora isso nos leve a um outro debate.

De qualquer forma, José Comblin, ao lado de Paulo Freire, é uma expressão fundamental de uma pedagogia nova na América Latina, forjada na década de 1960. Sua pedagogia é relevante não apenas para a Igreja, mas para a sociedade como um todo. Ela é revolucionária, pois se baseia no que Comblin chama de “amor desordenado”, um amor pelas pessoas que quebra as estruturas injustas da sociedade estabelecida. Como ele escreveu de forma lapidar: “O amor não fundamenta a ordem, mas a desordem. O amor rompe toda a estrutura da ordem. O amor fundamenta a liberdade e, portanto, a desordem.”

Esses pensamentos, que unem educação e transformação social, continuam a ser um farol para todos aqueles que buscam entender e mudar a realidade do Brasil e da América Latina.